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domingo, 21 de fevereiro de 2021

Sobre a (possível) 3ª onda...

Aqui em Manaus, estamos vivendo os efeitos da 2ª onda que teve início no fim de 2020 e com pico em janeiro de 2021. Nesse período foi identificado a variante do vírus.


Pra que fique claro:
De acordo com o pesquisador Lucas Ferrante, a variante NÃO é responsável pela 2ª onda que estamos vivendo.
A variante é RESULTADO da 2ª onda.
Duas vezes mais contagiosa, ela poderia em pouco tempo produzir uma 3ª onda, de igual ou pior impacto.

Mas esse não é o maior dos nossos problemas...
Ainda segundo Ferrante, uma 3ª onda pode resultar em uma nova mutação da variante, porém resistente as vacinas que temos até o momento, colocando todo o trabalho de pesquisa mundial de volta a estaca zero.

Se nada for feito, seremos o epicentro mundial da pandemia em algumas semanas.

Assista a Live completa na página do Facebook do Portal do Movimento Popular

Venci a Covid-19

A Pandemia chegou até meus familiares. 

Há uma semana minha vó paterna deixou o plano material e se uniu aos nossos ancestrais. 
Meu avô materno de 82 anos passou mais de 30 dias internado e se recuperou. Ou como dizem na mídia e passamos a repetir:
VENCEU a covid-19!

Venceu! 

Mas... e a minha vózinha? Se meu avô venceu, significa que ela perdeu? Ela não lutou? Ela não mereceu a benção que tantos outros declararam receber?

Não estou diminuindo a luta e felicidade de termos meu vô de volta ao seio familiar, mas durante esse processo de luto por tantas vidas perdidas, eu passei a refletir sobre a frase: EU VENCI A COVID19.

Até mesmo nesse pequeno detalhe durante o luto por tantas vidas, onde deveríamos nos unir e abraçar a dor uns dos outros, existe uma indução de competitividade programada.

Que possamos todos refletirmos sobre isso e não sermos alheio a dor do próximo. Pra vc que também perdeu alguém e ver cenas como essas, não pense que ele(a) é perdedor(a)

Não existe vencedores nessa guerra. O que não podemos perder é a esperança de um mundo melhor e fazermos parte dessa mudança, com as nossas atitudes e nosso aprendizado. Não desperte sentimentos negativos pra com aqueles que ainda permanecem na indução programada. Eles também são nossos irmãos, e precisamos entender que o processo é lento e cada um tem seu tempo.

 

O Caso Delmo: Parte 4 - Terra de Ninguém

 


Ouça no Spotify: https://open.spotify.com/episode/6KBR7y55gFF361CUEOgIE5?si=0WfqKB28T3W2HubWUpmPRg

# Vinheta de abertura 

Aqui é Sherman Cardoso e este é o quarto episódio do Caso Delmo, crime ocorrido em Manaus no começo dos anos 50. 

Se de alguma forma você veio parar aqui sem ter ouvido os episódios anteriores, eu recomendo que pare, volte e ouça do início. 

 

Esse é Gervaldo da Silva Sena, nascido em maio de 1938, atualmente com 82 anos. Ele iria completar 14 anos quando o caso ocorreu em 52, e como vocês podem ouvir, ele se recorda do ocorrido.  

 

O senhor Gervaldo Sena mora até hoje na mesma rua em que nasceu e se criou, a Lima Bacuri, localizada no centro de Manaus. Nesse episódio vc vai ouvir trechos de uma conversa que tive com ele em 2018, quando havia decidido iniciar as pesquisas sobre o caso para o podcast. 
Por se tratar de alguém que viveu na época do caso, acreditei que um bate-papo poderia ser interessante para entender melhor a contextualização e me transportar pra aquele período.  

O que eu não podia imaginar era que Gervaldo, juntamente com seu pai e seus irmãos não só trabalharam na serraria Pereira, como conheceram Delmo e sua família.  

Apesar da diferença de 5 anos de idade, Gervaldo tinha uma certa amizade com Delmo, jogavam futebol e se viam constantemente, conforme ele mesmo relata. 

Nesse momento vc pode estar se perguntando: Como eu cheguei até o Sr. Gervaldo, ou como o conheci... 
Bem, esse é um dos fatores que me motivaram a contar essa história - Gervaldo Sena é meu avô. 

 

Já adianto a vocês que esse episódio será dedicado em sua maior parte ao linchamento e suas consequências. Com isso, eu faço uma ressalva para que fique bem claro que minha intenção é entender a complexidade do comportamento humano que envolve esse tipo de barbárie e todos os elementos que lhe rodeiam.  

No dia 05 de fevereiro de 1952, após depoimento sob efeito do soro da verdade onde confessa ser o único autor dos crimes de agressão ao vigia Antônio Firmino da serraria pereira e assassinato do chofer José Honório ocorridos na madrugada do dia 31 de janeiro, Delmo Campelo Pereira, um estudante de 19 anos, foi sequestrado da ambulância que lhe escoltava para a delegacia por um grupo de pessoas revoltadas, dentre elas alguns taxistas. 

Ele foi levado para a estrada velha de São Raimundo, atualmente conhecida como Av. São Jorge, e lá Delmo foi linchado por mais de 40 pessoas.  

Segundo matéria publicada pelo Diário da Tarde no dia 06 de fevereiro daquele ano: “...o Dr. Hosannah constatou haver Delmo recebido nove facadas, sendo duas nas costas e sete no tórax, uma das quais, cerca de 40cm, com início no externo até à altura do umbigo. Apresenta o cadáver, também dezenas de equimoses, produzidas por fio elétrico e cassetete, em todo o corpo, notadamente nas costas e na cabeça.”  

Outra matéria, dessa vez publicada em O Jornal no dia 22 de junho, 4 meses após o linchamento, relatava os seguintes detalhes: “...Delmo teve uma morte horrível, ficando com o corpo desconjuntado, o crânio ferido, alguns membros quebrados, um olho intumescido e seu ventre foi aberto com uma faca peixeira, usada na ocasião do crime por um dos seus cruéis matadores...”. 

Delmo foi surrado com socos, chutes, pauladas, chicotadas por fio elétrico, enforcado, esfaqueado diversas vezes e teve seu corpo amarrado em dois carros que o puxaram em direção contrária na tentativa de esquarteja-lo. Por fim, após morto, teve seu abdômen aberto e suas vísceras expostas.  

 

A palavra linchamento tem sua etimologia em Charles Lynch. Um fazendeiro norte americano que viveu no estado da Virgínia durante o séc. 18, que para defender suas terras, promovia atos de violência. Do seu sobrenome Lynch, surgiu o verbo “to lynch” ou em português: Linchar. Os registros da época apontam que inicialmente o principal objetivo da Lei de Lynch, como ficou conhecida, era expor suas vítimas ao ridículo, surrando e depois deixando-os em praça pública para envergonhar o linchado. Porém um século depois, as práticas do fazendeiro migraram para o sul do país onde tomaram força com o ódio racial e geraram massacres como os promovidos pela Ku Klux Klan.   

No final do séc. 19 e início do séc. 20, esses linchamentos começaram a ser registrados em fotografias e circulavam pelos EUA como postais, no intuito de servir de exemplo e reforçando ideais racistas. 

Segundo a ONU, o Brasil está entre os líderes de países no ranking de linchamentos no mundo. De acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, ocorreram 1.179 linchamentos no Brasil entre 1980 e 2006. Um dos maiores nome no assunto, o sociólogo José de Souza Martins afirma que ocorrem quatro casos, ou pelo menos tentativas de linchamento por dia no país. Em seu livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil (publicado em 2015 pela editora Contexto), Martins calcula que cerca de um milhão de brasileiros participaram de linchamentos nos últimos 60 anos. 

O perfil da vítima de linchamento é similar ao das vítimas de homicídio: 95% são homens e a maior parte tem entre 15 e 30 anos. Em geral, tanto linchadores quanto linchados são pobres, habitantes de regiões carentes e periféricas, seja em cidades grandes ou pequenas, mas que tem em comum o Estado pouco presente. Ainda segundo Martins, o principal motivo que leva as pessoas a participarem de linchamentos é justamente a falta de confiança nos poderes do Estado. 

Com as redes sociais cada vez mais presentes no cotidiano brasileiro, não é difícil recebermos mensagens ou vermos postagens difundindo boatos, mentiras e especulações, as famosas Fake News. Martins afirma que o descompasso entre o avanço tecnológico e a mentalidade retrógrada de quem usa tais redes corrobora para que tais atos de barbárie sejam realizados. Para Ariadne Natal, doutoranda em sociologia da USP, sempre que um caso é repercutido nacionalmente, ocorre um efeito de "espelhamento", as pessoas se sentem compelidas a fazer o mesmo se deparadas com uma situação semelhante. Ainda segundo ela, a mídia, na maioria das vezes, aceita os linchamentos como algo natural. 

 

Na região norte os números de linchamentos são difíceis de apurar com precisão.  

Segundo o Sistema Integrado de Segurança Pública do Amazonas, entre os anos de 2015 e 2020 foram contabilizados cerca de 84 casos no estado.  

Dois tiveram grande repercussão:  

O primeiro é do jovem de 16 anos Kaiubi de Oliveira Carvalho, estudante do segundo ano do ensino médio no Colégio da Polícia Militar que após ser assaltado e agredido no ramal Val Paraíso, localizado na zona leste de Manaus, foi espancado até a morte por moradores da região que acreditaram em uma mentira propagada pelos próprios assaltantes, de que Kaiubi estava realizando furtos e assaltos pela comunidade. Nenhum suspeito do crime foi identificado. 

Ângelo Neto, o pai de Kaiubi, disse que seu filho sonhava em seguir carreira militar. 

 

O segundo caso é de Gabriel Lima Cardoso, de 18 anos que foi brutalmente espancado, em julho de 2018, na cidade de Lábrea, no interior do Amazonas. 

Filho do pastor José Gonçalves Cardoso, Gabriel era o principal suspeito de ter estuprado e matado com 16 facadas uma adolescente de 14 anos no município. Segundo matéria publicada na época: foi o pai que entregou o próprio filho para a polícia após ter o conhecimento que ele era suspeito de ter cometido o crime. 

 

Em entrevista concedida a imprensa local, o Pastor declarou o seguinte: 

"No dia (do linchamento), cheguei ouvir fogos perto da delegada, até que uma pessoa chegou em casa e disse que iriam invadir a minha casa e também contou que tinham matado meu filho. Foi a pior notícia da minha vida. Tiraram meu filho, mataram ele brutamente, tocaram fogo nele. Como pai, eu me sinto revoltado porque confiei na Justiça, que eles iriam proteger meu filho”. 

José Gonçalves afirmou ainda que nunca aceitaria que o filho ficasse impune pelo crime que cometeu, que esse teria sido o motivo de entregar Gabriel e queria que ele cumprisse a pena conforme é previsto na lei. 

Gabriel foi retirado de dentro da cela em que estava preso, por populares que o espancaram e o enrolaram em um colchão e atearam fogo. Isso tudo no meio da rua, na frente de centenas de pessoas onde algumas dezenas registravam tudo em vídeos pelo celular. 

 

Quem determina isso? Quem autoriza? Quem são os juízes e carrascos? Eu? Você? O Estado? A sociedade como um todo?  

Existe um culpado ou culpados? Quem decide isso?  
Quem? 

 

*Entrevista com o Prof. Luiz* 

Esse é prof. Luiz Antônio Nascimento de Souza em entrevista que me concedeu em agosto desse ano. 

*Trechos da entrevista com o Prof. Luiz*  

O professor Luiz Antônio está se referindo aos casos ocorridos em agosto desse ano em Nova Olinda do Norte, na região do rio abacaxis. Resumidamente um secretário executivo do governo estava praticando pesca esportiva sem licença ambiental na região, e após confrontado por comunitários ribeirinhos, o secretário foi baleado no braço. Nos dias seguintes, iniciou uma operação policial que resultou em prisões e mortes tão contraditórias que dariam uma nova temporada de podcast. 

 

Durante o espancamento, os linchadores questionaram sobre a possível participação de outros envolvidos, mas Delmo insistiu que tinha agido sozinho. 

Mais de 40 pessoas foram presas por participarem do linchamento. Após inúmeros depoimentos, acareações, troca do comando da polícia do amazonas, revolta do movimento estudantil, e outros tantos eventos... 27 homens foram a júri popular e julgados pelo crime que cometeram. 

Como são muitos personagens, essa parte da história ficará para outro episódio mas eu prometo que serei breve e falarei somente dos principais envolvidos, ou pelo menos aqueles que tem mais importância.  

O que posso adiantar a vocês é que além de muito choro e arrependimento, houve fuga da prisão no melhor estilo hollywoodiano e um suicídio dentro da cela.  

Porém mesmo após todas as prisões, julgamentos e condenações, o caso inteiro só foi de fato resolvido quase 2 anos depois.  

E é isso que vou contar no próximo e último episódio. 

Aqui no Reino do Norte, o Caso Delmo.  

 

 

EPÍLOGO 


No episódio piloto dessa temporada, eu fiz a seguinte pergunta: Vc já foi vítima de uma mentira?  


A Fabiane Maria de Jesus foi. No dia 3 de maio de 2014, moradores da periferia do Guarujá, no litoral de São Paulo, confundiram Fabiane com a imagem que circulou pelas redes sociais de uma suposta sequestradora de crianças, que abusava de suas vítimas em rituais de magia negra.  

Fabiane Maria de Jesus, uma dona de casa com 33 anos, casada e mãe de duas crianças, foi espancada até a morte. 

Isso não tem volta! 

Cinco dos envolvidos no linchamento foram presos. Um dos acusados, foi condenado a 30 anos de prisão por homicídio qualificado e também deverá pagar uma indenização de 550 mil reais aos familiares de Fabiane. 

Não há justiça que consiga reparar a perda dessa família.